sexta-feira, fevereiro 11, 2005

100 Argumentos

Sexta-feira, dia de visitar a “comic shop” (nome que as livrarias que têm seções especializadas em quadrinhos adotaram para imitar os gringos). Aqui em BH só existe uma digna de nota, a livraria Leitura Savassi, que tem um “andar” (um sótão para ser mais exato) parcialmente dedicado aos quadrinhos, que disputam espaço com zilhões de suplementos e livros de RPG. A proposta hoje nem era fazer compras, apenas dar uma bisbilhotada e atualizar a lista dos “eu quero”.

Eis que hoje presenciei uma cena curiosa na Leitura. Dois amigos, com uns 15, 16 anos, chegaram falando alto. Um deles visivelmente excitado por apresentar ao colega o maravilhoso mundo dos quadrinhos, do qual fazia questão de dizer bem alto que entendia muito. Chamemos, para efeito de narração, um de O Sábio e o outro de O Aprendiz.

O Sábio levou O Aprendiz até a loja para “ensinar o ABC dos quadrinhos” segundo o próprio. Começou mal, nem tomando conhecimento de uma estante entupida de mangás e ignorando completamente A Prateleira dos Tesouros, que é aquela onde ficam as graphic-novels, e atualmente contém exemplares de Sin City, Metamorfose, O Corvo, A Liga Extraordinária, Concreto, Locas, um monte de coisas de Crumb e algumas de Eisner, entre muitas outras. Pularam também a parte da Vertigo, onde estavam títulos como Preacher, Hellblazer, 100 Balas e Sandman. Ignoraram até mesmo um encadernado solitário de Akira perdido por lá. Também passaram batido pela parte dedicada à Brainstore, com as coisas de Warren Ellis que eles andaram publicando. Por perto tinha mais alguma coisa de Moore, tipo Do Inferno e Tom Strong. Logo acima deles estava o último exemplar de Johnny Double. Um pouco mais adiante é a seção de quadrinhos nacionais. Mas não chegaram lá. Pararam e fitaram maravilhados a capa de Wolverine: Snikt! Seguiu-se a inevitável frase: “O Wolverine é do caraaaaaalho!!!”

Na verdade sejamos justos. O Sábio é que era um imbecil. O Aprendiz apenas estava sendo enganado. Continuei minha geral na loja escutando involuntariamente os papos dos dois. Os ensinamentos do Sábio começaram com alguns minutos de doutrinação. Foram dadas umas 10 razões pelas quais a Marvel é melhor que a DC - todas absurdamente idiotas, sendo a pérola “os personagens da Marvel são mais realistas”. Depois veio uma entusiasmada revisão dos principais eventos da cronologia dos X-Men (“desde 2002, que foi quando comecei a colecionar para valer”, completou o Sábio). O Aprendiz ouvia atentamente, embora eu pudesse notar um certo ar de tédio no seu olhar.

Passadas as lições iniciais, se separaram e começaram a folhear revistas. Meio que perdido na loja, o Aprendiz começou a bisbilhotar a Zona Morta do Sábio, enquanto este se divertia com a Wizard do mês. O silêncio reinou e me esqueci dos dois até que o Aprendiz, folheando uma edição de 100 Balas perguntou: “E este aqui?”. O Sábio: “Ah, é uma revista dos caras que faziam o Batman.” Soltei um longo suspiro e, sem escolha, continuei escutando. “É legal?”, perguntou o Aprendiz. “Num gosto dessas revistas aí não. Nunca li, mas me falaram que é chato.” O Aprendiz bravamente continuou: “Sei lá, parece legal. Olha só.” E mostrou alguns quadros para o Sábio. “Ah, essas histórias são maior paradas. Só tem uns tiros de vez em quando. E olha o preço. 7,90 e não tem nem 30 páginas. A dos X-Men custa 6,90 e tem 100. Vai jogar dinheiro fora.” O detalhe: “Mas tá em promoção, 4,50” disse o Aprendiz, numa última tentativa. “Eu não pago nem 1 real nisso”. Compraram a Wizard e foram embora. E eu fiquei morrendo de pena do Aprendiz, que poderia ter entrado no mundo dos quadrinhos através de uma série decente, e acabou tendo suas chances devoradas pelo fanatismo acéfalo e a estupidez absoluta.

Isso é o público-alvo da Panini. Esses são os consumidores que ditam as regras do mercado editorial nacional. É triste. Mais que isso, é assustador. É o triunfo da quantidade sobre a qualidade. Fiquei tão chocado que comprei um exemplar de Kaos!, revista nacional de quadrinhos independentes em P&B por R$7,50. Me perdoe, oh Sábio!

Um comentário:

Minni Winni Blum disse...

Aí cara, vc falou tudo. A mediocridade avança com força talvez irresistível pra cima do bo gosto e da seletividade. Os critérios foram pro espaço. Watchmen e Mônica estão na mesma panela viciada pelo fogo morno da pouca inteligência. Vou fazer como vc e ler um pouco de Kaos.
Valeu!