terça-feira, fevereiro 01, 2005

Fábulas: Lendas no Exílio


Fables: Legends in Exile - Jan/2003
Devir - Abril 2004

Texto: Bill Willingham
Desenhos: Lan Medina
Arte-final: Steve Leialoha e Craig Hamilton
Cores: Sherilyn van Valkenburgh

Fábulas: Lendas no Exílio é uma coletânea das edições #1 a #5 da série Fables, da Vertigo/DC, e contém o primeiro arco da série.

A premissa de Fábulas é bastante simples: todos os personagens das fábulas e histórias infantis (como a Branca de Neve, o Lobo Mau, o Príncipe Encantado e assim por diante) são obrigados a fugir de sua terra natal quando ela é invadida por um ser maligno de natureza desconhecida conhecido apenas como “O Adversário”. Através de passagens criadas por feiticeiros, pouco a pouco as fábulas que conseguem escapar dos exércitos do Adversário acabam exiladas na Terra, culminando numa enorme comunidade exilada, vivendo escondida em plena Nova York do séc. XXI. Esse submundo imperceptível para os mundanos (ou seja, personagens não-fábulas) é carinhosamente chamado de "Cidade das Fábulas", e é o cenário onde se passa a história.

Lendas no Exílio surpreende um pouco pelo enredo, essencialmente uma história policial. Tudo começa quando o delegado da Cidade das Fábulas, Bigby Lobo (vulgo Lobo-Mau), recebe a notícia do desaparecimento da irmã da Branca de Neve, Rosa Vermelha. Branca de Neve, que é uma vereadora da Cidade, embora detenha status político bem superior, pretende usar de sua influência para ajudar o Lobo a resolver o mistério. E assim começamos a nos embrenhar neste curioso mundo habitado por personagens tão familiares e diversos como os Três Porquinhos (ou ao menos um deles), a Bela, a Fera, o Barba-Azul, o Príncipe Encantado e o Pinóquio. Mas não se engane. Não há nada de infantil e ingênuo nesses personagens ao serem vistos sob a ótica sarcástica e ao mesmo tempo gentil de Willingham.

O tratamento dos personagens é sem dúvida o ponto alto da série, especialmente se nos lembramos de suas histórias e interpretações clássicas infantis (leia "Disney"). É muitíssimo interessante a forma como Willingham revisita os "finais felizes" das fábulas. Por exemplo, a história começa com uma audiência entre a Bela, seu marido, a Fera, e a Branca de Neve. A Fera está com o seu aspecto bestial, o que é um problema, pois ter uma aparência inumana não é permitido entre as fábulas. Mas a questão é um problema conjugal, pois toda vez que o entusiasmo da Bela com a relação diminui, a Fera volta ao seu estado animalesco. "Você já tentou ficar casada por mil anos sem passar por alguns altos e baixos?", questiona a Bela no auge da discussão. Duvido que alguém tenha pensado nisso ao escrever o "viveram felizes para sempre".

O mundo das fábulas é tão rico de possibilidades que isso acaba por ser o fator água-fria dessa edição. Infelizmente nós nem sequer arranhamos a superfície do mundo das fábulas. O arco foca como protagonistas o Lobo e a Branca de Neve. Ele é retratado como um solitário convicto, pouco sociável, altamente perspicaz e guiado por um inabalável senso de dever e responsabilidade. Ela é o típico arquétipo da mulher "vencedora" dos filmes românticos: profissional bem sucedida, segura de si, esperta, mas com uma vida amorosa desastrada que eventualmente vai se acertar – exceto que aqui o Príncipe Encantado não é mais uma opção, já que se mostrou um pouco encantador demais no passado.

Infelizmente somos apresentados muito rapidamente aos eventos passados, e ficamos a imaginar como se deu a transição dos personagens das histórias infantis para sua versão Vertigo. O único que conhecemos um pouco melhor é mesmo o Lobo, graças ao adendo Um Lobo na Comunidade, texto de Willingham que nos conta como o Lobo foi parar na Cidade das Fábulas.

A arte de Lan Medina não é particularmente espetacular, mas faz um bom trabalho ao transpor as imagens tradicionais dos personagens para sua versão moderna. Me impressionaram mais os cenários e monstros que os personagens humanos, que parecem demasiadamente estáticos.

O álbum faz parte da mais que bem-vinda (e necessária) aposta da Devir em lançar títulos com conteúdo e formato adulto. A qualidade gráfica do trabalho é primorosa, embora haja deslizes na parte editorial, especialmente o adendo Um Lobo na Comunidade, que parece ter sido adaptado preguiçosamente de uma tradução lusitana. Não chega a inviabilizar o entendimento do texto, mas certamente restringe e desencoraja o acesso ao mesmo.

Fábulas: Lendas no Exílio é uma divertida leitura, e nos apresenta a um mundo de inúmeras possibilidades. Como volume único é insuficiente, mas ao se considerar que é apenas o arco inicial de uma série mensal, é sem dúvida um ótimo começo.


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